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quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Deus, moralidade e o mal - parte 2 0




Traduzido e adaptado por Leandro Teixeira

Debate Craig-Nielsen:

Considerações Iniciais do Dr. Nielsen

Eu estou bastante desnorteado sobre como faremos isto. A forma que Dr. Craig define o problema sobre o qual nós vamos nos preocupar esta noite é muito diferente da forma que eu farei - e não porque eu sou um ateu e ele é um crente cristão, mas nós vemos o problema de perspectivas muito, muito diferentes, independentemente disso.

O Problema do mal

Dr. Craig, lendo meus escritos (me sinto honrado que ele os tenha em alta estima), poderia ter refletido no fato de que eu nunca discuti o problema do mal, ou, se eu faço, só incidentalmente. Eu não me lembro de ter discutido isto detalhadamente. E a razão por que eu não faço isto é porque, ao contrário de muitos ateus, e ao contrário do Dr. Craig, eu nunca pensei que o problema do mal seja o maior obstáculo para a crença em Deus. Eu penso que algumas das razões ou provas independentes para acreditar em Deus - ou por via de revelação ou aceitando certas coisas em fé - que Plantinga ou que algum outro trouxer (entretanto não estou particularmente convencido do tratamento do Dr. Craig acerca destes problemas), você pode se iludir acerca das premissas, modificando-as de uma maneira ou de outra. Como o grande lógico Quine diz, modificando certas premissas de uma grande inconsistência ou alegada inconsistência de certo modo, você normalmente pode evitar esta inconsistência.

Da Idade Média em diante, os teólogos cristãos acharam modos de dissolver ambos os problemas probabilísticos e lógicos do mal no mundo em vários graus de satisfação e não totalmente improváveis. Para mim, não há um problema da solução do mal. O mal, como disse Dr. Craig, está aí, inevitável, inescapável. A pergunta é como você o ataca, como você o minimiza, como você luta contra isto. Para o ateu, não há tal coisa como o problema do mal. Há somente mal no mundo, contra o qual nós lutamos eternamente, e só.

Valores morais sem Deus

O meu problema, e talvez aí seja onde nós começamos nos encontrar, é que você pode, de um modo perfeitamente racional, dar uma concepção de valores objetivos. Que significado "valores absolutos" tem eu não sei, mas o senso de " valores morais justificáveis e objetivos", pode ser dado independentemente de qualquer compreensão de Deus ou crença em Deus ou assemelhados. Agora Craig não se preocupou com este problema, mas muitos cristãos - particularmente cristãos fideístas – o fazem. Muitos cristãos ficam ansiosos em saber da existência de Deus ou provar sua existência. Eles são muito desconfiados, e eu penso que há boas razões para isto. Há uma forte e difundida tendência (eu penso em Kierkegaard ou Haman ou Pascal) entre a elite intelectual e outras pessoas acreditar que em um mundo sem Deus, nada importa. (É coisa de Nietzsche.) Em um mundo sem Deus, tudo é permitido; nossas vidas serão fragmentadas e sem sentido. Nossa própria moralidade será sem sentido. Nós não podemos saber se qualquer coisa é boa ou ruim. E assim, eles se sentem pressionados a postular a existência de Deus para resolver este problema.

O que eu quero dizer a esses seus que são céticos sobre a existência de Deus é que você não precisa nada disso. Você pode fazer perfeitamente dar um bom sentido para sua vida e suas convicções morais sem crer em Deus. Talvez Deus exista; talvez não. Talvez nós possamos provar que ele existe; talvez não. Eu penso que nós não podemos. Eu nem mesmo penso que o conceito de Deus é muito coerente, por não ser antropomórfico. Mas talvez eu esteja errado sobre isso. É tudo o que farei esta noite. Eu permitirei que você possa provar a existência de Deus - algo que eu não acredito no momento. Eu considerarei que o conceito de Deus é coerente. O que eu quero tentar convencer você é que, com ou nenhum Deus, você pode dar sentido a sua vida sem crer na sua existência.

Agora, como eu disse, algumas pessoas acreditam que se Deus estiver morto, nada importa e nossas vidas serão fragmentadas. Eu sei que algumas – na verdade, muitas - pessoas acreditam nisso. Mas algumas pessoas acreditam que em algumas culturas isto não seja necessário. Por exemplo, nós sabemos que há umas poucas religiões antigas e distintas do Judaísmo, Cristianismo e Islã - por exemplo, Budismo - com muitos partidários que não têm nem Deus nem adoração. Os budistas, até onde eu posso ver, podem dar sentido às suas vidas e achar um senso de valor objetivo. Até mesmo dentro de nossa cultura, enquanto muitas pessoas sentem que não podem dar sentido às suas vidas sem Deus, muitas conseguem, como eu. Elas não são somente da elite intelectual, mas pessoas comuns em várias culturas. No Canadá e nos Estados Unidos, as pessoas são muito dependentes de Deus. Na Islândia e na Dinamarca, as pessoas acham isto muito estranho. (Tem algo a ver com o nível de riqueza e educação da sociedade). Você pode achar que não pode dar sentido à sua vida sem Deus, mas muitas pessoas o fazem.

Mas agora eu quero mudar de assunto, de uma observação sociológica para uma observação moral e conceitual. Mesmo que você se sinta desta forma, eu quero tentar começar a persuadir você de que você não precisa se sentir desta forma. A primeira coisa que você deveria reconhecer é que pode haver propósitos na vida perfeitamente intactos mesmo se não houver nenhum propósito para viver. Se não houver um Deus ou divindades de qualquer tipo, não há nenhum propósito para a vida; você não foi feito com um propósito. Mas até mesmo não sendo feito com um propósito, você poderia achar muitos propósitos na vida, dar valor às coisas, tê-las, acreditar e lutar por elas. Algumas pessoas religiosas dirão, "Isso é certo para pequenos propósitos individuais, mas você não pode ter nenhum propósito nobre na vida sem crer em Deus. Você pode ter coisas bem pouco triviais, mas não realmente uma profunda e penetrante concepção de um propósito na vida sem Deus". Mas isso não é verdade. Há muitos ateus que tiveram tais propósitos nobres. Eles combateram "a pestilência" (usando a metáfora de Camus) implacavelmente. Eles buscaram minorar a soma total do sofrimento humano, da degradação humana, das esperanças destruídas; eles buscaram positivamente trazer um mundo com mais felicidade nele e entendendo mais um ao outro - florescendo mais humano, uma solidariedade mais humana, uma fraternidade e irmandade. Em resumo, eles buscam trazer um mundo sem classes, sem raças, sem gêneros. Esses grandes propósitos - propósitos nobres na vida - são perfeitamente disponíveis para qualquer um que seja ateu como também para alguém que seja teísta. Eu não nego que os crentes não fazem isto também, mas você não precisa de Deus para ter quaisquer propósitos, pequenos ou nobres, na vida.

Alguém poderia dizer, "Oh, isso está certo, mas o ateu realmente não tem qualquer fundamento, base ou chão para fazer isto, enquanto o crente tem". Bem, há duas linhas (nenhuma de que Dr. Craig mencionou) que tipicamente tentam mostrar que o crente tem uma base que o ateu não tem. Uma, particularmente popular em círculos protestantes, diz que algo é bom ou ruim se Deus delega mandamentos ou ordenações. Se Deus comanda ou ordena, é obrigatório, ou bom, ou desejável. Se ele proibir, está errado. Esta é chamada de a "teoria do mandamento divino".

A primeira coisa para se ver [sobre este fato] é que algo mandado não faz [isto] bom ou ruim. Eu poderia te falar, se todos vocês fumassem aqui, "Deixe de fumar", ou se nenhum de vocês estivesse fumando, eu poderia dizer, "Acenda um". Meu comando, até mesmo se eu tivesse a autoridade para mandar, não justifica o comando. Tem que ser alguma razão independente para fazer o comando. Não é só meu comando que é assim. Assim, [o fato] de que algo é ordenado não o faz desejável ou indesejável, obrigatório ou não-obrigatório. Alguém dirá, "Mas é Deus quem está comandando, e isto faz toda a diferença." Ledo engano. Não é porque Deus é todo poderoso que faz algo ser desejável, ou bom, ou ruim. Quando Deus disse "Onde você estava quando eu pus as fundações da terra?" tudo o que Deus mostra é seu poder. Mas o poder é compatível com mal. Se um ser é poderoso não significa que você deveria obedecê-lo, exceto por medo. Não dá uma razão moral para obedecer ao ser.

"Mas Deus é onisciente; ele tem conhecimento perfeito [considerando que] nós não” o que é, por definição, verdadeiro. Se houver tal Deus, isto não dá a você nenhuma razão para obedecer, porque conhecimento perfeito é compatível com o mal perfeito. "Bem, é porque Deus é bom". Agora eu pergunto aos cristãos, "Como você sabe que Deus é bom?" Eu sei que você acredita, você aceita, mas como você sabe? Provavelmente, a resposta mais comum é isto: "Bem, você lê a Bíblia e vê o tipo de exemplar que o Jesus era, a morte dele na cruz, e assim por diante". Você esquece-se de coisas como "quem não está comigo está contra mim". Mas lendo a Bíblia seletivamente, há muitas passagens nas quais Jesus mostra ser um exemplar incrível. Mas note que para ver que ele já é que um exemplar pressupõe que você tem um entendimento anterior do que é bom e ruim. Porque você tem uma compreensão do que é bom e ruim, você vê Jesus como um ser exemplar desejável. Assim você tem uma compreensão moral e conhecimento independentes que não descansam em sua crença em Deus.

Suponha que alguém diga, "Olhe, Deus é por definição o Bem perfeito". Alguns filósofos chamavam isto de verdade analítica - como "Filhotes de cachorro são cachorros jovens". Mas se você não soubesse o que "jovem" significa, você poderia nem mesmo saber que "filhote de cachorro" significa. Se você não soubesse o que "bem" significa, você não poderia nem mesmo saber o que "Deus" quer dizer. Você tem que ter um pouco de compreensão de "bem" para julgar que Deus é o Bem perfeito. Novamente, você precisa de um critério moral que é seu próprio e não vem de Deus. Pode vir causativamente de Deus, mas não entra em um senso justificatório, que é a coisa pertinente quando se discute sobre moralidade.

Se você pensa que isto é muito sofisma--ou quase sofisma (e a coisa é realmente mais complexa que eu pude mostrar), deixe-me dar a você uma razão mais simples para ver que crer em moralidade e dar sentido de moralidade é independente da crença em Deus. Suponha que você acredite em Deus e que tenha filhos; você reconhece que seus filhos dependem de ti, e há certas coisas que você lhes deve - proteção, cuidado e amor. Você ama seus filhos; quer protegê-los e gosta deles. Mas você também é um crente. Suponha que - por boas ou más razões - você perde sua fé. Você tem alguma mínima razão para deixar de amar seus filhos, deixar de gostar deles, deixar de protegê-las? Nem um pouco. Se você teve razão para se preocupar para e amar suas crianças antes, você continuará a ter muita razão depois que você perdesse sua fé. E enormemente simples mostrar como a moralidade é bastante independente da religião.

Ainda suponha que alguém me pressione: "Que tipo de bases para valores morais objetivos você tem? Não é tanto o que nós queremos dizer por valores de moral objetivos, mas que tipo de base nós poderíamos ter para reivindicá-los. Como você prova ou estabelece que algo seja bom ou mal, certo ou errado?" Isso é um problema que é igualmente um problema para o crente e o não-crente. A teoria do mandamento divino não funciona. Agora a outra teoria que é usada, principalmente pelos católicos e círculos anglicanos (mas não exclusivamente), é apelar à "lei moral natural". A lei moral natural é algo que é implantado presumivelmente em nossos corações. Agora eu estou perfeitamente preparado para dizer que, embora eu não pense que isto seja uma lei ou que emana de Deus ou que não haja excessões, há muitos truísmos morais. Eu não estou desacreditando-os chamando-os de truísmos morais. [Eles são] coisas tais como "sofrimento desnecessário é uma coisa ruim"; "estupro é ruim", enquanto "manter suas promessas é bom"; "integridade é boa"; "verdade é algo a ser valorizado". Coisas deste tipo, que eu chamo de truísmo moral, são pensadas freqüentemente como parte da lei moral. Elas estão disponíveis tanto para mim ou para qualquer ateu quanto aos crentes. Agora o que você faz na forma de justificá-los é iniciar com estes truísmos morais; você pode ser mais confiante na correção ou, se você quiser, na verdade {7} destas expressões morais; [quer dizer,] eles estão justificados. Eles estão mais justificados do que qualquer teoria filosófica cética - J. L. Mackie ou outro qualquer a quem você questionasse. O que você faz do modo de justificação é o que o filósofo Rawls chama de tentar obter suas convicções morais dentro do "equilíbrio reflexivo amplo". Você inicia com estes truísmos morais - as coisas em que você mais confia - e os coloca junto com tudo você conhece do mundo (por exemplo, sobre a natureza humana, sobre a sociedade), com todo pedaço de conhecimento que você possui; e você obtém um padrão coerente. [Então] você obtém este padrão coerente; um tipo de acordo intersubjetivo sobre o que fazemos (ou o menos discutível que fazemos).

Mackie trata o problema dos valores objetivos como algum tipo de pergunta ontológica. Não precisa ser uma pergunta ontológica. É uma pergunta sobre se certos valores morais são racionalmente aceitáveis. Essa é a pergunta crucial – tal pergunta crucial não é sobre o significado de verdade (Tarski definiu - ou se não foi Tarski, Davidson, para falar um jargão técnico por um momento), mas como você justifica certas reivindicações ser verdade e você os justifica rigidamente neste molde coerente. Você faz exatamente isto com valores morais como com qualquer outro tipo de valores. E valores morais são tão objetivos, até onde eu posso ver, quanto concepções científicas e são justificadas do mesmo modo. Não há nenhuma razão para ter um tipo profundo de ceticismo niilista. Nietzsche é uma boa diversão quando você é adolescente, mas há nenhuma razão para pensar que, de alguma maneira, sem Deus, o niilismo está se aproximando a nossa porta. Isso é puro romanticismo; é o ateísmo que é tomado da linha suja da religião (e muitos ateus fazem isso). Não são todos os ateus subjetivistas como Ardil ou como Mackie; alguns são, mas muitos deles não.

Assim eu indiquei a você um modo que você pode dar sentido à sua vida moral e dar um fundamento coerente para os valores morais, independentemente da existência ou não de Deus.

Imortalidade

Suponha que alguém me diga, "Mas uma coisa, Nielsen, se você é um ateu, uma das coisas que você vai ser é um negador da imortalidade{8}. Se ao final, a morte é seu [último] destino, então isto não arruinaria todos os nossos valores?" Não, eu digo - só o inverso. Se algo como o amor entre as pessoas é importante, acabar na nossa morte faz aquele amor ainda mais importante, porque é finito, porque se acaba. Da mesma forma isto é verdadeiro para a felicidade ou até mesmo a realização de seus projetos e assemelhados. Seria agradável se houvesse alguma razão para acreditar em nossa imortalidade. Até onde eu posso ver, não há a mais leve razão para acreditar nisto.

Assim eu acredito que você pode dar um sentido para os valores objetivos sem invocar Deus. E se você puder operar com uma concepção mais simples, então opere com uma concepção mais simples. Não multiplique concepções ou entidades além do necessário.



Notas

{7} Eu não gosto de usar a palavra “verdade” com respeito à ética puramente por razões técnicas, mas tem um perfeito sentido inofensivo se você disser que expressões morais são verdadeiras. Só que eu não quero falar sobre algum tipo de correspondência que ninguém entenda – particularmente em consideração a moral e expressões matemáticas.

{8) Ainda que não seja estritamente verdadeiro, um famoso ateu acreditou na imortalidade – J.M.E McTaggart. Mas eu penso que é bastante tolo, de uma forma ou outra. A maior parte dos ateus não acredita em imortalidade.


O artigo original em inglês pode ser encontrado aqui.

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